
Com o despertar de uma nova categoria cá no blogue (Lifestyle) recuperei um dos posts que mais gozo me deu escrever no meu antigo blogue (o 111graus.com – atualmente desativo) – o retrato de uma aventura na primeira pessoa pelo Caminho de Santiago.
Antes da partida para esta aventura com um total de quatro dias, cumprimos o tradicional checklist e verificamos que nada do que precisaríamos ficava em casa. Antecipadamente, tínhamos já decidido que as duas meninas do grupo, Cecília e Teresa, não levariam alforges e que os rapazes, Edgar e Bessa, carregariam tudo o que fosse necessário (ou quase tudo).
De Famalicão até Ponte de Lima
Saímos de casa um pouco atrasados (9h30), no entanto as condições meteorológicas para este primeiro dia estavam do nosso lado e a temperatura era a ideal para pedalar. Após a partida, procuramos um carimbo para registar o nosso local de saída e continuamos estrada fora até à cidade de Vila de Nova de Famalicão onde nos encontramos com o segundo par desta aventura, a Teresa e o Bessa.
Daí prosseguimos caminho até Barcelos onde procuramos registar as primeiras fotografias e o primeiro reforço alimentar. Mesmo no centro da cidade parámos na Pastelaria Arantes onde obtivemos um carimbo e o lanche da manhã.
Após esta primeira paragem citadina seguimos caminho até ao Albergue Peregrinos A Recoleta em Tamel (São Pedro Fins), onde paramos um pouco para conhecer e conversar com o responsável do local.
Em Balugães paramos para almoço num local com sombras e água fresca. E seguimos viagem 30 minutos depois.
Com a chegada a Ponte de Lima antes da hora, aproveitamos as margens do Rio Lima para uns momentos refrescantes.
Entramos no Albergue de Peregrinos de Ponte de Lima por volta das 17h30 e fizemos o respetivo pagamento de 5 euros.
O Albergue de Ponte de Lima é fantástico. Está situado próximo do coração da vila, logo depois da Ponte Velha sobre o rio Lima e tem uma vista privilegiada sobre estes. As infra-estruturas são boas. Duas camaratas espaçosas nas águas furtadas do edifício, sanitários, balneários, sala de estar com acesso à Internet e cozinha no piso intermédio. No R/C existe uma área para deixar as bicicletas e outra para lavar e secar roupa.
Após um confortável banho, falamos durante uns momentos com um peregrino francês com cerca de 30 anos que fazia o caminho a pé desde o Porto pela primeira vez. Acedemos à sugestão que nos deram e fomos jantar ao Restaurante Manuel Padeiro. Neste local mostramos as nossas credenciais e fomos brindados com um excelente menu de Peregrino por 8 euros cada.
Regressados ao albergue, ficamos à porta numa amena cavaqueira com o Ovídio Vieira, o voluntário que nos recebeu à tarde e que ainda ali estava. Falamos principalmente da vila de Ponte de Lima, dos vários caminhos que milhares de pessoas percorrem todos os dias para chegar a Santiago de Compostela e sobre as principais diferenças em fazer o caminho a pé ou de bicicleta.
Não demorou muito para que percebêssemos a dificuldade que é dormir num local destes, principalmente pelo ruído e pelo descuido de alguns hóspedes. Compraríamos tampões para os ouvidos no dia seguinte.
De Ponte de Lima a Porriño
Às 6 horas da manhã acordamos com a sensação de uma noite muito mal dormida. Quando cheguei junto das bicicletas verifiquei que o suporte dos meus alforges não estava em condições e primeiro balde de água fria do dia caiu-me em cima.
Como o Bessa é o MacGyver dos tempos modernos procurou logo dar-me algum apoio. Já tínhamos arames de um lado e esticadores de outro, mas com a falta de ferramentas procuramos no centro da vila algum local aberto. Encontramos um quiosque que nos emprestou um alicate para retirar o resto de um parafuso que entretanto tinha partido. Problema resolvido, até ver!
As meninas na sua vez, deliciavam-se com o melhor pequeno almoço desta aventura servido na Pastelaria Ameadella.
Se o dia não tinha começado da melhor maneira estávamos com bastante vontade de começar a pedalar para chegar a Valença à hora de almoço, ultrapassando assim a Serra da Labruja no início da manhã.
Até à Serra da Labruja, cruzamos a maior parte dos peregrinos que tinham ficado no nosso albergue. Voltamos à conversa com o francês que se tinha enganado mais de 2 quilómetros e conhecemos dois barcelenses que faziam a pé o caminho pela primeira vez. A pior parte da Serra da Labruja não era fácil e a única solução era com ela, a bicicleta, às costas.
No conjunto a Labruja não nos intimidou, dando apenas algum atraso ao grupo, uma vez que demoramos mais de 1 hora para a ultrapassar.
Na localidade de Cossourado em Paredes de Coura paramos para encher os bidões. Aliás, água é o que não faltou neste segundo dia.
Neste local estivemos à conversa com o Sr. Fernando proprietário da Casa da Oliveirinha uma casa de turismo rural ali perto que nos convidou a visitar um dia mais tarde.
O que também nunca faltou nesta manhã foram as subidas, por isso eu e a Cecília demos às pernas e decidimos esperar pela Teresa e pelo Bessa num café em São Bento da Porta Aberta. Reconheci logo o local onde paramos, por ser um sítio de paragem para muitos forasteiros na altura do Festival Paredes de Coura.
Mais uma vez aproveitamos a paragem para conviver com os populares que por ali estavam.
Chegamos a Valença já passava da hora de almoço e todos tinham desejos diferentes sobre o almoço. Decidimos por um piquenique após as compras dos ingredientes necessários. Rumamos junto à fortaleza de Valença uma vez que seria por este local que deixaríamos Portugal.
Este era sem dúvida o dia mais pesado de todo o percurso. Estávamos lentos e ainda tínhamos uma grande parte do percurso para fazer até Porriño. Passamos Tui a voar e enquanto a Cecília parava no Posto de Turismo para carimbar as credenciais eu comprava uma garrafita de água num café (1.50 € por 0.5L).
A poucos minutos do centro de Porriño encontramos um dos cabos dos tormentos deste percurso, principalmente para quem vai a pé. São quase 3 quilómetros em linha reta de alcatrão pertencentes a uma zona industrial que quase não tem fim.
Chegamos ao Albergue de Porriño à hora certa para admitirem peregrinos em bicicleta. Pagamos 6 euros. A tarifa definida para os albergues espanhóis.
Sem perder muito mais tempo apostamos em recuperar energias. Pelo menos alimentares. E fomos jantar à “Panadería Paso a Nivel” a poucos metros do albergue.
No regresso ficamos no pátio principal a conversar e a estudar como seria a etapa do dia seguinte.
A noite neste albergue foi bem passada. Ao contrário do albergue de Ponte de Lima onde os colchões eram revestidos a pele, provocando um barulho enorme quando alguém se mexia, no albergue de Porriño os colchões não tinham resguardo, mas tinham lençóis descartáveis bem silenciosos.
De Porriño a Valga
Para este terceiro dia, tínhamos um percurso entre Porriño e Valga que se iniciava com alguns quilómetros a subir. Mais uma vez, fomos os últimos a sair do albergue, após um breve pequeno almoço. Nos primeiros 10 quilómetros passamos os caminhantes que pernoitaram no mesmo albergue e ultrapassamos a pior parte do percurso.
Passamos pela localidade de Redondela. Mais um carimbo e seguimos caminho. Em Arcadia eu e a Cecília seguimos na frente e perdemos o caminho. Fizemos cerca de 5 quilómetros na N550, num troço mega perigoso para cicloturistas, dada a velocidade que os veículos pesados se cruzavam por nós.
A poucos quilómetros de Pontevedra esperamos um pouco pelo Bessa e pela Teresa na esplanada do café “Señorio de Uñuela”.
Em Pontevedra procuramos fastfood e fomos diretamente ao Burger King que fica bem na rota do caminho. Na esplanada do restaurante encontramos um simpático casal que fazia o caminho português pela costa até Finisterra em duas pasteleiras equipadas com uns alforges bastante caseiros. Corajosos!
Abre que se faz tarde. Parámos tempo a mais para almoço e a vontade de pedalar desapareceu. Ainda por cima o calor começou apertar pela primeira vez nesta viagem.
Cruzamos a Ponte de Burgos, sobre o rio Lerez e rapidamente perdemos o ar citadino de Pontevedra e envolvemo-nos nuns maravilhosos tracks de terra batida que apareceram. Os melhores até aqui!
Voltando ao alcatrão, cruzamos o albergue de Briallos, onde tinha tentando ficar sem sucesso em 2009, por isso nem sequer colocamos a hipótese de ficar nesta localidade.
Mais à frente propus um desvio até ao Parque Natural Ria Barosa que fica mesmo ali ao lado do Caminho de Santiago que estávamos a percorrer na localidade de Barros. Carimbamos as credenciais no pequeno bar que existe neste local e seguimos viagem para Caldas de Reis.
Sugeri uma paragem na taberna “O Muiño” em Caldas de Reis, mas o enfartamento do hamburger do almoço era de tal tamanho que o pessoal preferiu seguir sem sequer parar nas termas desta localidade para aliviar os músculos.
De Caldas de Reis para Valga o caminho é cheio de vegetação e bastante rolante, o que permitiu que chegássemos bastante mais cedo que a hora de admissão de peregrinos de bicicleta.
O albergue fica junto à estrada N550 a uns 200 metros do Caminho de Santiago. Chegados lá, ouvimos “Só às 19h é que podem ser admitidos” da senhora da receção, tendo mais tarde fechado os olhos e permitido a entrada mais cedo. Concordamos ir levantar dinheiro à única caixa ATM disponível na localidade. “Olhe que são 2 a 3 quilómetros sempre a descer” referiu a mesma senhora depois da nossa pergunta. O que não disse foi que o regresso tinha 7% de inclinação. Indicado nas placas de sinalização sobre inclinação acentuada.
O albergue de Valga estava com uma taxa de ocupação bastante baixa. Uma família de seis irlandeses e mais uns dez peregrinos. É um albergue bastante recente (2010) e tem todas as valências necessárias. Uma ampla e equipada cozinha, sala de estar e jantar, zona para guardar as bicicletas, máquina de lavar roupa, etc.
Depois de assegurarmos os ingredientes do pequeno almoço da manhã seguinte fomos jantar a restaurante mais próximo do albergue “El Criollo”.
De Valga a Santiago de Compostela
Ao quarto dia fechamos novamente a porta do albergue após um pequeno almoço cheio de tostas mistas. Tínhamos cerca de 30 quilómetros para fazer, por isso toda a tranquilidade do mundo era suficiente para chegarmos a Santiago de Compostela antes da hora do almoço.
Retomamos o Caminho de Santiago em direção a Padrón. Se até aqui não havia nenhum furo nem nenhum problema grave. Na ponte sobre o rio Ulla em Pontecesures a bicicleta caiu-me e parti a manete do travão de trás. Paciência! Faria os seguintes 20 quilómetros com o travão da frente.
Parámos em Padrón para umas fotografias e conhecemos o dono de um café decorado com acessórios e adereços do nosso país no seu interior.
Até Santiago de Compostela o percurso passou por uma zona rural com casas típicas onde foi muitas vezes difícil perceber por onde seguia o percurso. Por pouco não acabávamos dentro de um desses lares.
A subida à chegada de Santiago de Compostela não nos atirou para baixo. Pelo contrário. Aceleramos estrada acima até ao Hospital, onde nos reunimos e seguimos até ao centro histórico e até à catedral.
Uma semana após o trágico acidente ferroviário o cenário era desastroso junto à catedral. Um sem-número de pessoas fazia homenagem às vitimas, deixando flores e todo o tipo de objetos, incluindo muitas compostelas, o testemunho do peregrino que fez qualquer um dos caminhos até Santiago.
Tiramos as fotografias da praxe com bandeiras da Bikemania Famalicão e do município deste belo concelho onde habitamos.


Obtivemos o último carimbo desta aventura na Oficina de la peregrinación que deu mais autenticidade a esta viagem e acabaríamos a almoçar num jardim ali perto com o almoço que os nossos familiares trouxeram de Portugal.
Percorremos ao longo destes quatro dias cerca de 230 quilómetros. Optamos por não colocar as distâncias etapa a etapa para não confundir quem deseja planear a sua viagem, uma vez que fizemos quilómetros a mais nas localidades que cruzamos, seja para um carimbo, lanche, abastecimento de água ou simplesmente falar com os habitantes locais.
Aprendemos que o caminho de santiago é acima de tudo reflexivo e quanto mais rápido o percorremos menos histórias e contextos absorvemos. Por isso queremos deixar aqui um dos ensinamentos que aprendemos em Ponte de Lima: “Façam o caminho, mas façam-no devagar, caso contrário pouco irão apreender”.
Uma vez mais ficou a vontade em mim em continuar o caminho para Finisterra mas compromissos antecipadamente definidos não permitiam dar mais dois ou três dias ao manifesto. Quem sabe num futuro próximo.
Nota: artigo escrito originalmente no verão de 2013.
Blog Comments
António Azevedo
20 de Junho de 2018 at 17:31
Uma descrição perfeita do Caminho. De facto o Caminho deve ser feito de vagar e com muita calma, pois, como diz e muito bem, se assim não for mais vale não o fazer. Eu já o fiz a pé, uma vez e três, de bicicleta. É sempre diferente e cada um é mais contemplativo que o anterior.
Um abraço e votos de Bom Caminho, sempre que o voltem a fazer.
A. Azevedo
edgar
26 de Junho de 2018 at 14:19
Obrigado António pela visita e pelo comentário. Enriquece sem dúvida alguma a minha publicação e as minhas aventuras futuras!
Um abraço,
Edgar Costa
Vitor Ferreira da Silva
4 de Dezembro de 2018 at 13:28
Bom dia.
Como já informei venho alimentando o forte desejo de fazer o caminho, por razões pessoais..bem pessoais. No momento o lado financeiro me impede, mas sem desânimo, na minha história de vida nada foi fácil…e tenho venho aqui abastecer-me de sonho e vontades…aqui neste espaço construído por Edgar Costa. Simplicidade e sinceridade, falando do trajeto dando a informações necessárias e detalhadas sobre um local que desejo ir com ajuda de Deus. Parabéns Edgar Costa. Aqui é para eu fonte de informação.
edgar
4 de Dezembro de 2018 at 20:51
Vitor,
Obrigado pela visita e pelo comentário!
Quando tiver oportunidade faça o Caminho de Santiago em qualquer um dos trajetos! A pé ou de bicicleta, faça.
Cumps.
Edgar Costa
Rui Bastos
15 de Fevereiro de 2019 at 20:16
Boa noite, muitos parabéns pelo artigo e pela aventura. Ajudou-me imenso a esclarecer alguns pontos na minha organização.
Seria possível só me explicarem como efectuaram o regresso?
Vou partir de Lisboa até ao Porto de Comboio e iniciar o caminho desde o Porto, mas preciso de saber como regresso de Santiago até ao Porto.
Agradecimentos
Rui Bastos
edgar
27 de Março de 2019 at 11:37
Caro Rui,
Por razões técnicas só agora vi o teu comentário!
Podes regressar via autocarro (ALSA ou FlixBUS) mas confirma os regulamentos das empresas ao nível do transporte de bicicletas (algumas cobram uma pequena taxa ou limitam o número de bicicletas por veículo).
Ou Santiago – Vigo via BUS ou Comboio e depois através do comboio Celta (que transporta bicicletas) até ao Porto.
Boas aventuras,
Edgar Costa
Joao Machado
18 de Agosto de 2023 at 10:48
Posso saber como voltaste? Estou a pensar ir de bicicleta de estrada apenas num dia. Mas não sei como posso voltar?