Caminho Inglês – De Ferrol a Santiago de Compostela

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A quadra natalícia reserva-nos habitualmente uma nova aventura no Caminho de Santiago. Desta vez, no sentido norte-sul, o percurso palmilhado denomina-se por Caminho Inglês e foi iniciado em Ferrol. Acompanhas-me neste destino?

Factos sobre o Caminho Inglês

O Caminho Inglês até Santiago de Compostela é menos conhecido que os habituais Caminho Central Português ou o Caminho Português da Costa. Porém, esta rota atraí milhares de pessoas desde a idade média. Principalmente caminhantes provenientes dos países escandinavos, escoceses e ingleses. E talvez seja por estes últimos que o caminho ganhou o seu nome. Historicamente chegavam pelo mar aos portos da Corunha e de Ferrol, e é nestas localidades que a peregrinação se inicia. Da Corunha o percurso é mais curto com cerca de 75 quilómetros. Enquanto a partir de Ferrol o traçado é mais longo com quase 120. As duas variantes juntam-se em Bruma onde se tornam inseparáveis até Compostela.

Optamos por escolher o percurso mais longo e, como tal, dividimos os quilómetros totais por três dias tendo, sempre em conta a disponibilidade do alojamento existente ao longo do percurso. Sabíamos, da mesma forma, que o esforço físico seria superior ao que habitualmente um caminhante faz nas usuais seis etapas. E de igual modo reduzimos o equipamento e os restantes acessórios ao essencial para ser transportado por um colete de trail de 5L.

Com este desafio não nos consideramos menos peregrinos. Colocamos pés ao itinerário com fé, perseverança e devoção pela nossa própria vida e por Todos que nos ajudam neste caminho. Aqui juntamos a amizade, o companheirismo e unimos sinergias para chegarmos os três a cada dia sem conjunturas.

Vamos ao caminho!

Ferrol – Miño – 42km

Tomamos Ferrol como ponto de partida e seguimos de carro ainda de madrugada até à capital da Galiza para apanhar o primeiro o Monbus até Ferrol. Depois de deixarmos o carro estacionado em Santiago de Compostela a viagem de autocarro apesar de durar cerca de uma hora foi simples e com poucas paragens.

Em Ferrol o nosso ponto de partida é-nos dado pelo Google Maps a dois quilómetros da estação de BUS. Seguimos até ao Paseo Mariña onde conversamos com um elemento da Oficina de atencione ao Peregrino que nos retratou na primeira fotografia deste períplo. Seguimos por dentro de uma cidade que em tempos chegou a ser a mais populosa da Galiza. Fruto da instalação do Gran Arsenal do Norte de Espanha e da grande base naval europeia que ali foi crescendo. A saída de Ferrol foi a habitual confusão das marcações dos camiños nas grandes áreas urbanas. E depois de passarmos a bonita Igreja de São Francisco acabamos por nos perder das marcações amarelas e sem qualquer equipamento eletrónico para nos auxiliar acabamos a pedir informações no posto de turismo presente no centro da cidade.

Percorremos uma ecovia junto à margem da Ria de Ferrol, mesmo ao lado da Avenida do Mar até à Zona Industrial da Gándara. Daqui até Narón o percurso é muito idêntico e encontra-se sempre a poucos metros da ria. Antes de cruzarmos a ponte para a margem de Neda paramos junto de uma monumental magnólia Magnolio centenario de Xuvia – uma árvore com mais de um século de história. Passamos de seguida o primeiro albergue do Caminho Inglês ainda fechado. Tínhamos cerca de 40 quilómetros para percorrer neste primeiro dia, por isso seguimos pelo Puntal de Arriba e por Conces até entrarmos em Fene onde paramos para almoçar com pouco menos de 19 quilómetros. Até cá o percurso foi leve e realizou-se naquela preguiça de quem madrugou e está com pouca vontade de correr e de andar.

Após o almoço de bocadillos de jamon serrano e de cervejas portuguesas, imergimos no Caminho Real, repleto de bosques húmidos marcados pela severa tempestade da semana anterior. Antes de Cabanas procuramos a hospitalidade galega e pedimos água a uma simpática senhora que nos acudiu de imediato. Conversamos sobre a Galiza e principalmente sobre Portugal e dos locais que esta galega havia já visitado. Avisou-nos que seria sempre a descer até Pontedeume. E pelo adiantar da hora não nos desviamos para a praia da Magdalena que fica ali ao lado na Ria de Betanzos. Passamos o rio Eume e entramos pela Rua Real em Pontedeume – uma importante vila deste caminho fundada em 1270 por Afonso X. Esta parte marca rigorosamente esta longa etapa através das bravas e íngremes subidas após o centro desta antiga vila.

Enquanto o sol nos fugia ao longe no horizonte corríamos por largos e verdes corredores junto da Reserva de la Biosfera As Mariñas Coruñesas e Terras do Mandeo. Chegamos a Miño ainda de dia e alojamo-nos no Hostal La Terraza, que estava só por nossa conta. Procuramos uma self-service laundry onde lavamos e secamos os equipamentos para o dia seguinte. O jantar foi no Pizza Miño – o local mais conhecido das proximidades.

Miño – Ordes – 45 km

O fuso horário faz-nos retardar o arranque envolvido de uma poderosa geada que havia caído de noite. Deixamos Miño envolvidos em temperaturas bastante baixas e um manto branco espalhado um pouco por todo lado. Até à primeira paragem junto da Ponte do Porco sobre o Río Lambre aquecemos os músculos massacrados do peso dos quilómetros do dia anterior. Entramos numa zona de subida marcada pelos tons verdejantes e ainda outonais. Temos vistas panorâmicas para a ria, o que se adivinha estarmos próximo de Betanzos.

Previamente passamos no Santuário da Nosa Señora do Camiño. Atravessamos o rio Mandeo pela Ponte Vella e observamos os pequenos barcos piscatórios ali parados junto dos habitantes locais envelhecidos. A entrada nesta pequena cidade galega é feita pelo arco da Ponte Vella – resto da muralha medieval. Pela rua Prateiros chegamos à Plaza Irmáns García Naveira mesmo no coração de Betanzos, uma das capitais do antigo Reino da Galiza que se destaca pelos importantes monumentos góticos. Paragem para café. Nesta fase com 10 quilómetros corridos optamos por seguir sem reforçar a alimentação, na esperança de encontrarmos outros locais mais à frente. Contudo, o traçado mergulhou-nos numa Galiza esquecida em pueblos olvidados e terras perdidas. Por sinal nenhum café, negócio ou povoação dinâmica e ativa para nos alimentarmos…

Em Meangos refugiamos a fome com as maçãs de uma velha macieira sumida no quintal de uma casa homónima. Paramos junto de uma lagoa em Beche para encher água e colocar mais um scoop de isotónico que se mostrou decisivo nesta fase. Seguimos por mais de uma dezena de quilómetros entre eucaliptais e campos agrícolas até Leiro. Por sorte o Google Maps anunciava mais à frente um café que acreditávamos estar junto do Caminho Inglês.

Entramos e conhecemos a D. Avelina e a sua filha num negócio familiar – o principal comércio daquele pueblo. Pergunta-nos se partimos de Betanzos e se vamos ficar ali ao lado em Bruma… ‘Desde Miño e vamos até Ordes!’, respondemos com fome. Ergueu os braços de admiração! E voltou de seguida com as bebidas, enquanto nos entrega uma faca, um chouriço e uma tábua para, entretanto cortarmos o dito fumeiro. Volta de seguida com queijo e presunto galego, partilhando sempre histórias. Nunca veio a Portugal, apesar de exibir orgulhosamente uma Senhora de Fátima e um lenço típico, que outrora peregrinos lhe enviaram. Depois de mil e uma histórias pediu para tirar uma fotografia connosco e seguimos para mais uma dúzia de quilómetros.

Passamos em Bruma onde o Caminho Inglês vindo da Corunha se junta ao de Ferrol. Cruzamos alguns peregrinos no albergue desta localidade e continuamos a ver o sol descer no horizonte, enquanto ligamos a luz frontal para assinalar a nossa presença.

Quando faltavam 32 quilómetros para Santiago de Compostela desviamos estrategicamente a nossa rota do camiño e seguimos para Ordes onde pernoitamos no Hotel Nogallás. O repasto foi feito na Pulperia Verde Galicia onde degustamos pulpo a la gallega e a costila de ternera a la brasa.

Ordes – Santiago de Compostela – 35 km

Saímos tarde do hotel com um mote escrito no pacote de açúcar do pequeno almoço: ‘No te estoy diciendo que será fácil, estoy te diciendo que valdrá la pena’. Compramos bananas e água num super local, enquanto nos envolvemos em toda a roupa quente que tínhamos connosco. Seguimos por quatro quilómetros numa estrada asfaltada até encontrarmos o Caminho Inglês na demarcação dos 28 quilómetros. Daí para a frente entranhamo-nos em bosques autóctones. Verdes e acastanhados. Depois de O Piñeiro corremos junto da AP9, Autopista del Atlántico, que liga Tui a Ferrol. E tivemos momentaneamente a companhia de um galego que nos acompanhou a correr por alguns quilómetros.

Em Sigueiro paramos para um chocolate quente e retemperar as energias num café local. Seguimos por mais 15 quilómetros em ritmo lento com vários músculos a mostrarem a sua sobrevivência a uma centena de quilómetros.

A última subida deste trajeto ocorre momentos antes de uma zona industrial ao lado do Cemitério de Santiago. Nesta altura estamos já em pleno casco urbano o que me leva a descer invariavelmente pelo sítio errado arrastando naturalmente as minhas companheiras. Voltamos a desencontrar as setas amarelas mesmo no centro da cidade após cruzarmos o edifício administrativo da Xunta da Galicia em S. Caetano. E só as encontramos na rua Acibechería que nos mostra a parte norte da catedral.

A entrada na Plaza de Obradoiro foi feita por uma entrada diferente dos habituais traçados e deu como concluída mais uma aventura. Esta em formato corrida para a Maratona de Sevilha.

Buen Camino!

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